domingo, 22 de fevereiro de 2009

A Crise, o Estado e a Economia.

Nas últimas semanas, o Brasil foi bombardeado por notícias sobre demissões em massa (o caso mais famoso aconteceu na quinta-feira, dia 19 quando mais de 4 mil trabalhadores foram demitidos na Embraer), quedas e mais quedas da Bovespa, projeções e reprojeções do crescimento do nosso PIB, entre outras. As notícias sobre economia vêm dominando os jornais e telejornais, e quem não entende -nem um pouco- sobre o assunto fica com cara de bobo, como nosso ''glorioso'' Ministro do Trabalho. Parece que aquela ''marolinha'', anunciada pelo Governo em Dezembro do ano passado, está virando um verdadeiro problema. E se medidas essenciais não forem tomadas agora, a "marolinha" pode virar um "tsunami".
Como é sabido, a crise financeira estourou nos Estados Unidos em agosto de 2007, mas muita gente não sabe como exatamente isso aconteceu. Por isso vou tentar fazer um breve resumo, para que então a linha de raciocínio do post seja devidamente exposta e concluída.
Após o ano de 2001, o mercado imobiliário norte-americano passou por uma fase de expansão. O Fed (Federal Reserve, o BC norte-americano) fez com que os juros caíssem para que a economia se recuperasse de uma recessão, e quem entrou nessa ''onda'' foi, justamente, o setor imobiliário. A queda da taxa de juros chegou ao patamar de 1% ao ano em 2003, fazendo com que a compra de um imóvel fosse bem mais fácil. Naturalmente a demanda aumentou, e junto com ela aumentou a necessidade de crédito para o financiamento dos imóveis e hipotecas. Com o boom e para aproveitar o bom momento, muitas empresas financeiras especializadas no mercado imobiliário passaram a atender o cliente subprime. O empréstimo subprime, apesar de possuir uma qualidade mais baixa (tendo em vista o perfil do cliente), é uma modalidade que envolvia um retorno bem maior para as financiadoras, que cobravam mais pelo capital emprestado. Com o olho no lucro, muitos bancos e gestores de fundos compravam títulos subprime e emprestavam dinheiro às financiadoras. Pronto. Com tudo isso exposto, já dá pra perceber inúmeros motivos que fizeram com que a Crise ocorresse. Temos aí uma oferta de crédito enorme e sem critérios decentes que fundamentassem sua concessão e um cliente que possui um histórico de inadimplência, os ingredientes para um desastre. Simultaneamente a esse alavancamento do sistema financeiro, a partir de 2004 os juros voltaram a aumentar, encarecendo, ainda mais, o crédito. Foi só dar tempo ao tempo, e esperar a desgraça. Inadimplência atrás de inadimplência fez o temor de novos calotes acelerar os batimentos cardíacos dos investidores. E esse temor se traduziu numa forte retração de crédito, devido à falta de confiança. Com menos liquidez, menos se compra, menos se investe, menos se contrata, enfim, sem crédito nada se faz.
Diante de todo esse quadro, mais uma vez, foi uma questão de tempo para o Mundo ser atingido. Em tempos de Globalização, uma das modalidades que mais prosperou foi a financeira. Bancos de todo o planeta compram títulos um dos outros, pegam empréstimos um com os outros. Por isso que a crise começou nos grandes centros financeiros (EUA, Japão, UE e o sudeste da China), atingindo os respectivos países com bastante força. Após a facada neles, se dirigiu aos países em desenvolvimento, já que ela fez com que a demanda por commodities caísse bastante, tocando no ponto forte de muitos países. Curiosamente, a crise não chegou a nos pegar diretamente. Por questões conjunturais, graças à segurança e qualidade do nosso sistema financeiro, cujo elemento chave foi o PROER, nos mantivemos "afastados" no decorrer de 2008. Mas com o tempo (mais uma vez ele), percebemos que apesar de estarmos afastados não estamos imunes em uma "ilha". A crise parou de ser financeira e começou a se tornar econômica. Muitas de nossas multinacionais, como a Embraer e a Vale, foram atingidas porque pedidos vindos do exterior tiveram de ser cancelados, ocasionando diminuição de receitas e resultando nas milhares de demissões que vimos recentemente. É nesse momento que o Governo tem que entrar, a fim de evitar uma onda maior de demissões, falta de investimentos e trabalhar, cada vez mais, para aumentar a produtividade no ano de 2009. Agora vem a grande questão "o que deve ser feito então?''.
Vamos lá. Antes de tudo, precisamos esclarecer que essa não é uma crise do sistema capitalista, como muitas pessoas da esquerda autoritária costumam dizer, na verdade está longe de ser, até porque não há nenhum sistema econômico que tenha a capacidade de gerar tanta prosperidade como esse. A crise é de uma das maneiras de se gerir o capitalismo. Precisamos ter em mente, também, que Economia é feita de "ciclos", ou seja, ela nunca estará sempre muito bem, assim como ela nunca estará sempre muito mal, são sobes e desces que fazem parte da prática. A par disso podemos entender como a decisão de algumas pessoas se tornam tão cruciais para o país, e como isso influencia na vida cotidiana de bilhões de pessoas (milhões, no caso do Brasil).
O ano de 2009 começou bem "badalado". Dois importantes Fóruns reuniram centenas de pessoas e governantes para debater o assunto do momento, a Crise. O irônico é que, ambos os fóruns, chegaram a tocar no mesmo ponto, que é bastante e polêmico: A velha idéia tatcherista da auto regulação dos Mercados caiu por terra. E chegaram a levantar uma questão importante: Até onde o Estado deve participar da Economia? Sem dúvidas, estamos vivendo um novo momento. O colapso do sistema socialista mostrou tudo de arcaico que havia em suas aspirações. Ironicamente o "fundamentalismo de mercado" tatcherista (expressão utilizada pelo sociólogo e cientista político britânico Anthony Giddens) mostrou seus erros com esse recente fato. A busca inconsequente pelo lucro fácil se tornou o novo alvo dos debates, ficando evidente, cada vez mais, que o tiro saiu pela culatra. Mas não adianta chorarmos o leite derramado. Precisamos encontrar soluções eficientes para que o Brasil não seja atingido com mais força, e nisso, o Governo tem um papel fundamental.
Viemos de um período próspero. Apesar do crescimento modesto dos últimos 4 anos, nossa economia gerou bastante empregos e conseguiu atrair muitos investimentos. Nossas empresas conseguiram crédito o suficiente para ampliarem bastante suas capacidades de produção para atender a demanda, tanto interna (precisamos lembrar que temos um mercado interno crescendo rapidamente e ávido por consumir) quanto externa. Agora, após todos os fatos recentes, nosso empresariado se viu sem investimentos estrangeiros e sem a quantidade de consumidores com a qual já havia se habituado, e é nesse momento que o Governo deve entrar. Possuímos uma instituição muito importante para o Brasil, o BNDES. É um banco de extrema importância pois, atualmente, representa cerca de 13,9% dos investimentos produtivos no Brasil, e sem contar que, depois do mercado de capitais, é a principal fonte de financiamento das nossas empresas. Como, atualmente, o mercado de capitais está sofrendo com a crise, fica ainda mais evidente o papel do BNDES no fomento da economia brasileira. Recentemente, o Governo liberou um aumento de receita para o banco no valor de US$ 53 bilhões. Mas a questão é: será que é um valor suficiente? Naturalmente, não. Principalmente porque, em tempos difíceis, o banco vai se tornar o ''chão'' mais firme do nosso empresariado, que vai necessitar de mais crédito. Além do BNDES, temos outros bancos públicos importantes como a Caixa e o Banco do Brasil que possuem também um grande papel no tocante ao crédito pessoal para fomentar o consumo. Está ficando mais claro que só vamos conseguir nos safar quando conseguirmos estimular os brasileiros a comprarem mais, mas com responsabilidade. Devemos fazer mais uso da recente ascensão de pessoas para as classes C e D, e utilizarmos, por fim, nossa potencial força de consumo.
O que mais tem me impressionado é que nossas reservas internacionais estão em US$ 199 bilhões, e muito pouco, quase nada, vem sendo usado no tocante ao combate à Crise. Outro fato que me tem impressionado bastante é o infeliz atraso do Programa de Aceleração do Crescimento, que, mais do que nunca, possui um valor especial para nossa economia. Na contramão do ''PAC chinês'', nossas obras estão a ritimo de tartaruga. Após dois anos de lançamento, obras que deveriam estar prontas atrasaram. Até agora, menos de 20% dos investimentos anunciados para o PAC foram realizados. É bem verdade que uma parte dos investimentos provém da iniciativa privada, a qual está sofrendo bastante agora. Esse é mais um fator que faz com que eu volte a ser incisivo no tocante à importância do BNDES e do uso correto e emergencial de nossas reservas. O atraso do PAC representa um atraso para o Brasil, e, definitivamente, não podemos nos atrasar mais. Atualmente, é muito importante que os bancos públicos financiem com força o programa, para cobrir o vácuo causado pela iniciativa privada. Além de medidas propriamente financeiras, existem outras maneiras do Governo (com ajuda do Congresso) atuar, como por exemplo, incentivar, cada vez mais, o diálogo entre empregador e empregado. Em tempos como esse, é necessário que uma flexibilização responsável da CLT ocorra, resguardando, logicamente, as importantes conquistas da classe trabalhadora.
Percebemos então que a economia é feita de momentos. Precisamos entendê-los e identificá-los. O papel de um Estado forte, gestor e empreendedor na economia não é saudável. Não é porque acaba criando uma burocracia (no nosso caso, uma burocracia ainda maior) muito poderosa e ineficiente, já que não iria existir a concorrência. Foi por isso que os modelos socialistas fracassaram. Em contrapartida o modelo tatcherista, ou neoliberal como muitos gostam de chamar, também deixou evidente suas falhas. Atualmente, o Estado tem sim o seu papel, que é o de regulador (através de agências reguladoras e outros meios), assim como o Mercado tem o seu espaço garantido. Como diz o ditado "nem 8 e nem 80", e como eu falei no início do parágrafo, a economia é feita de momentos. Em certos momentos basta o Estado dar uma leve regulada no Mercado e deixá-lo fluir tranquilamente, assim como em certos momentos o Estado deve entrar com recursos públicos a fim de que se evite um colapso grande o suficiente para perturbar a ordem pública e a paz social e econômica.
Gostaria de finalizar colocando uma frase de Max Weber que nos faz pensar sobre toda essa situação "engraçada" pela qual o Mundo passa. "Capitalismo selvagem e sem preocupação social é característico de sociedades arcaicas e não evoluídas".

Um comentário:

Unknown disse...

Phil
Belo texto
Queria saber porque tive que descobrir sozinho a existencia dele. Acho que se voce esta falando assim voce conseguira ate seguir na vida politica e tem todo meu apoio.
Continuarei entrando para ver se atualizou.
Um beijo grande ,Felipe Mendonca